quinta-feira, 28 de junho de 2007

Futuro do agronegócio exige métricas de sustentabilidade

Vivemos uma rápida mudança no conjunto de crenças e valores que até agora regiam a condução de empreendimentos e negócios, em todos os setores da economia. O desmontar de sólidos conglomerados globais, à revelia de acurados pareceres de auditoria elaborados por empresas multinacionais de inquestionável credibilidade, aponta para sérias fragilidades no conjunto de parâmetros e requisitos considerados no diagnóstico das organizações.

Afinal, o que esta por trás dessa profunda rachadura nos alicerces de estabilidade e segurança de nossas organizações, em especial àquelas que integram o universo dos agronegócios, como Parmalat e Círio, para lembrar as mais recentes? Trata-se, e muito se tem falado sobre isso, da rápida e às vezes pouco compreendida mudança nos paradigmas até agora adotados no exame da “saúde” dessas empresas, especialmente no tocante aos agentes do agronegócio, com a enorme diversidade de atores envolvidos em toda a cadeia agroindustrial.

De um lado, o conflito entre os conceitos tradicionais da Economia Neoclássica com os da Economia Ecológica. Para a Economia Neoclássica, os mecanismos de mercado são “meios para indicar a importância relativa dos efeitos nocivos do desenvolvimento econômico e para expressar a disposição da sociedade em pagar para amenizar os danos causados”. Para a Ecológica, onde “o limite para o crescimento é aquele imposto pelo ecossistema” a economia, quando cresce, “desaloja, se apropria de uma parte do ecossistema”.

Estamos falando da incapacidade de mecanismos de equilíbrio do mercado e livre arbítrio do consumidor evitarem, sozinhos, os males do crescimento econômico injusto e desigual e de todas as decorrências daí resultantes. Como resultado, o crescente reconhecimento da necessidade de se contar com outros mecanismos capazes de corrigir / ajustar tais efeitos. A antiga máxima da alocação eficiente dos recursos, soma-se a justa distribuição dos benefícios e a operação em escala sustentável no sistema global.

Outro lado da equação diz respeito, também aqui especialmente no agronegócio, a complexidade em se reconhecer as interconecções existentes entre os diferentes âmbitos que compõem o ecossistema que encerra a empresa e seu ambiente. Antes de operarem de forma estanque, estão esses âmbitos ligados entre si e operando de forma interdependente. Desenvolve-se aí o conceito de “sustentabilidade”, em suas dimensões ecológica (qualidade ambiental), social (equidade) e econômica (rentabilidade) que, interconectados, passam a representar importante instrumento de redução de riscos e de certificação da capacidade de agregar valor a longo prazo.

Na definição de “De Camino & Mulller, 1993”, “a sustentabilidade ecológica implica na manutenção no tempo das características fundamentais do ecossistema sob uso quanto aos seus componentes e suas interações; a sustentabilidade econômica se traduz por uma rentabilidade estável no tempo; a sustentabilidade social está associada à idéia de que o manejo e a organização do sistema são compatíveis com os valores culturais e éticos do grupo envolvido e da sociedade ...”. Na visão do físico e escritor Frtjjof Capra, uma “Comunidade Humana Sustentável é aquela que não interfere na habilidade inerente à natureza de sustentar a vida”.

No campo do agronegócio, Altieri definiu Sustentabilidade Agrícola como a “capacidade de um agroecossistema de manter a produção por meio do tempo na presença de repetidas restrições ecológicas e pressões socioeconômicas”. Na busca do atendimento de todos esses conceitos se colocam, frente a frente, duas escolas principais, cada uma com suas crenças e valores a defender interesses políticos e econômicos particulares.

De um lado, os que defendem a simples correção dos atuais sistemas produtivos. De outro, aqueles para os quais só uma mudança estrutural profunda será capaz de interromper os malefícios de uma exclusão crescente, brutal distanciamento entre ricos e pobres, prejuízos aos nossos solos e águas, diminuição da biodiversidade, para não dizer das assustadoras previsões de mudanças climáticas.

Só o desenvolvimento de metodologias apropriadas para a análise qualitativa e quantitativa da presença, em todos os elos da cadeia, dos atributos de sustentabilidade e de seus efeitos, será capaz de apontar com quem esta a razão. O resto é especulação. Para isso, é necessário o estabelecimento de indicadores que reflitam não só a presença desses atributos, mas suas possíveis alterações, para cada um dos âmbitos ambiental, social e econômico.

Segundo J. M. Gusman Ferraz , da Embrapa Meio Ambiente, é consenso geral que esses indicadores devem ser capazes não apenas de “sinalizar” a existência de determinada degradação no sistema, mas também de “advertir” sobre potenciais perturbações. Adverte ainda o especialista, “para cada agroecossistema deve ser definido um conjunto particular de indicadores em função das condições agroecológicas e socioeconômicas presentes em cada região, do perfil dos usuários finais da informação, da disponibilidade de informações existentes e dos custos envolvidos na geração de novos dados, se necessário”.

Vale lembrar que esses indicadores de sustentabilidade deverão permitir, conforme já referido, o monitoramento das dimensões ambiental, social e econômica contempladas no conceito de sustentabilidade, sem o que não poderão refletir os eventos ocorrentes em todo o universo que envolve a empresa e os diferentes atores que gravitam em torno dela.

Parece claro que de posse de tais indicadores, aplicados a partir de processos transparentes levados a efeito por empresas e especialistas isentos e bem preparados, se poderá assegurar os verdadeiros ganhos advindos da redução dos riscos e da agregação de valor para essas empresas, já mencionados. Refletidos esses atributos nos ativos tangíveis das organizações, se estará assegurando a correta expressão econômica desse diferencial em relação aos seus concorrentes, com efeitos diretos no mercado e em suas relações com investidores e agentes financeiros.

Começa aí a verdadeira transformação na sociedade. Empresas e stakholders, estes últimos entendidos como todo o universo de “atores” que gravitam em torno dela, direta e indiretamente afetados por sua ação, estarão exercitando uma forma diferente de se relacionar, pautada a partir de novos paradigmas capazes de apontar na direção de uma sociedade mais justa e igualitária.

* José Carlos Pedreira de Freitas é Diretor da HECTA Desenvolvimento Empresarial nos Agronegócios - hecta.sp@uol.com.br

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