quinta-feira, 6 de março de 2008

Agronegócio se mexe para transformar cobranças socioambientais em oportunidade

Quero compartilhar com o caro leitor matéria publicada na revista "Exame" no final de 2007. Já faz um tempinho, porém, a reportagem, da jornalista Fabiane Stefano, traz uma interessante e atual análise do movimento dos agentes do agronegócio ante as questões socioambientais em busca da reputação e imagem de "sustentáveis".

A matéria, do dia 29/11/2007, intitulada "Sob pressão", destaca que as empresas brasileiras do agronegócio nunca estiveram tão expostas a cobranças ambientais e sociais e agora se mexem para transformar o risco em oportunidade. "Além de aliviar as pressões, [...] empresas estão melhorando os próprios resultados ao adotar políticas mais 'sustentáveis'."

A reportagem ressalta que as principais acusações relativas à irresponsabilidade socioambiental do agronegócio brasileiro são as práticas de desmatamento, escravidão e trabalho infantil. Stéfano deixa claro que episódios criminosos isolados mancham todo o setor.

A matéria apresenta iniciativas responsáveis do agronegócio, como, por exemplo, a do grupo André Maggi, que está certificando suas fazendas com o selo ISO 14001 de boas práticas ambientais. Ou o protocolo ambiental, com a assinatura de 79 usinas em São Paulo, que prevê a antecipação da extinção das quemadas no País de 2021 para 2014.

Outro exemplo vem do grupo Nova América, que vem avançando no processo de mecanização da colheita de cana-de-açúcar. Com a introdução das máquinas, os cortadores passam a ser capacitados para outras funções na empresa.

* Confira a íntegra da matéria:

Sob pressão

As empresas brasileiras do agronegócio nunca estiveram tão expostas a cobranças ambientais e sociais -- e agora se mexem para transformar o risco em oportunidade


Por Fabiane Stefano

O agronegócio brasileiro ganhou um prestígio sem precedentes nos últimos anos. Alta produtividade, competitividade e tecnologia tornaram-se marcas de um segmento vital da economia que responde hoje por 92% do saldo da balança comercial brasileira. Em 2007, o faturamento projetado deve alcançar 567 bilhões de reais -- 5% mais do que no ano anterior.

Com a expansão, no entanto, as empresas do setor ficaram expostas a pressões sociais e ambientais crescentes. Hoje, organizações não-governamentais, clientes e sobretudo países concorrentes dos produtores brasileiros denunciam a prática de DESMATAMENTO ilegal, escravidão e uso de trabalho infantil. Embora a maioria dos quase 6 milhões de propriedades rurais brasileiras opere dentro da lei, episódios criminosos como esses prejudicam a imagem de todo o setor.

O resultado é que a vigilância sobre produtores de soja, usinas de cana e criadores de gado nunca foi tão grande. Até o etanol, tido como a grande alternativa aos combustíveis fósseis, é colocado em xeque -- pelo risco de inflacionar o preço dos alimentos. Um grupo cada vez mais relevante de empresas começa agora a tentar reverter essa ameaça e a transformá-la numa boa oportunidade de negócios. "A sustentabilidade entrou no planejamento estratégico das empresas do agronegócio, e quem não fizer isso terá problemas no futuro", afirma Pedro Jacyr Bongiolo, presidente do grupo André Maggi, um dos maiores produtores de soja do Brasil.

A empresa está começando a certificar suas fazendas com o ISO 14001, selo de garantia de boas práticas ambientais. "Já existem produtores que estão tendo dificuldade em obter as melhores condições de crédito porque não investem em práticas sociais e ambientais corretas", diz Bongiolo.

Um dos exemplos dessa tentativa de virada é a recente movimentação de 79 usinas de cana de São Paulo para a elaboração de um protocolo ambiental que prevê a antecipação da extinção das queimadas no país de 2021 para 2014. A entidade calcula que até 2017 toda a cana produzida no estado seja colhida com máquinas, extinguindo o corte manual. A mecanização é uma resposta à crescente patrulha ambiental (já que elimina a queima da cana antes do corte) e social sobre os canaviais.

Um sem-número de organizações critica as condições do trabalho manual dos cortadores de cana. Um relatório da ONG inglesa Oxfam publicado em novembro afirma que "existem trabalhadores que vivem em condições subumanas, sem acesso a água limpa, e são forçados a comprar seus alimentos e medicamentos nas próprias plantações em que trabalham, por preços mais altos". Além de aliviar as pressões, essas empresas estão melhorando os próprios resultados ao adotar políticas mais "sustentáveis".

Um estudo realizado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, aponta que, entre 1981 e 2004, houve queda de quase 21% no número de trabalhadores rurais no setor. No mesmo período, a produção de cana-de-açúcar quase triplicou no país -- de 156 milhões de toneladas para 415 milhões de toneladas. "Os resultados dessas empresas devem motivar a adesão de outras", diz Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar de São Paulo.

Inimiga no 1

O grupo Nova América, dono da marca de açúcar União, é um dos signatários do novo protocolo. Hoje, metade dos 7 milhões de toneladas de cana colhida pela empresa é feita por máquinas. O restante é colhido por 2 200 cortadores. "Uma parte dos cortadores receberá treinamen to para operar em outras áreas do grupo", diz Mário Ibiee, diretor de recursos humanos da empresa.

Alguns dos que ficarem devem, por exemplo, aprender a operar as máquinas, emprego que poderá lhes render um salário maior. A outra parte acabará sendo dispensada (a empresa ainda não sabe precisar o número de pessoas). A expectativa da Nova América, que atua no sudoeste de São Paulo, é que esses trabalhadores sejam absorvidos por outras usinas em áreas onde o cultivo da cana está em plena expansão, como Minas Gerais ou Goiás.

Para os produtores de soja, reverter os efeitos dessa crescente pressão ambiental e social exige um esforço ainda maior. É sobre eles que vem recaindo a maioria das ações ativistas nos últimos anos. Um dos maiores celeiros do grão no mundo, o Brasil fechará 2007 com uma SAFRA de 58 milhões de toneladas de soja -- produção que dobrou na última década. E, à medida que o mercado consumidor aumenta, a cultura avança sobre o bioma da Amazônia, região que compreende uma área de 367 milhões de hectares.

Trata-se de uma equação complexa, que acabou tornando a soja uma espécie de inimiga número 1 da floresta Amazônica. Para conter a invasão do grão, os ativistas têm mirado nas grandes empresas exportadoras -- e, em alguns casos, também em seus clientes. Em maio de 2006, por exemplo, a Cargill, uma das maiores esmagadoras de soja do mundo, teve seu porto em Santarém, no estado do Pará, bloqueado pelo Greenpeace na tentativa de impedir o carregamento dos grãos que seriam destinados à Europa.

As operações da empresa ficaram paradas por menos de 4 horas, mas os estragos já estavam feitos. Logo depois do episódio da Cargill, uma campanha organizada também pelo Greenpeace chamada Comendo a Amazônia mobilizou redes de supermercados e fast food, entre elas o McDonald"s, que passaram a pressionar a indústria de soja a não comprar grãos da região amazônica. O resultado é que as imposições dos importadores aumentaram e as processadoras tiveram de dar respostas à sociedade.

Teto de vidro

As fragilidades do agronegócio brasileiro e as soluções das empresas do setor:

DESMATAMENTO

* Problema

O avanço da soja na região amazônica começa a ser rejeitado por grandes compradores do grão brasileiro, e a pressão dos importadores estrangeiros ainda deve aumentar.

* Solução

Grandes exportadores como Bunge e Maggi criaram, recentemente, normas ambientais e sociais para seus fornecedores de grãos.Quem não se submeter a elas não conseguirá mais vender a essas companhias.

TRABALHO ESCRAVO E INFANTIL

* Problema

Embora tenha havido uma redução no Brasil, o trabalho infantil no campo resiste por uma questão cultural. Começa, em geral, como uma atividade familiar nas pequenas propriedades.

* Solução

Em novembro, 79 usinas paulistas assinaram um protocolo que prevê a implantação de mecanização em todo o estado de São Paulo até 2017. Além de evitar problemas trabalhistas com os cortadores de cana, os usineiros eliminam as queimadas durante a colheita.

MANEJO DE SOLO

* Problema

O uso incorreto de fertilizantes e defensivos pode empobrecer o solo e contaminar nascentes. E terras inférteis significam menos competitividade no campo.

* Solução

Empresas de defensivos agrícolas estão desenvolvendo projetos para conservar o solo e proteger as nascentes.Nos últimos três anos, a Syngenta ajudou a recuperar quase 1 500 nascentes.

Suspensão temporária

Por enquanto, a solução da agroindústria brasileira foi criar uma moratória de dois anos para a soja proveniente de novos desmatamentos no bioma da Amazônia. Com a medida, as empresas do setor se comprometeram a não comprar a produção de novas áreas de plantio, tentando, assim, desestimular o avanço da soja na região. O prazo termina em junho do ano que vem -- quando o assunto será rediscutido --, mas a pressão dos grandes importadores deve continuar.

"Precisamos admitir que existe um passivo ambiental no setor e transformá-lo em um ativo ambiental no futuro", diz Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio. Lovatelli recentemente visitou capitais européias, onde se encontrou com executivos de grandes importadores. "A mensagem dos compradores foi clara. Eles não vão adquirir soja da região amazônica", diz Lovatelli.

A Bunge, outra gigante do processamento de soja, criou regras rígidas nos quesitos social e ambiental para seus cerca de 70 000 fornecedores de grãos no país. Quem não seguir à risca o programa pode ter o contrato rescindido. Embora raros, já houve casos de produtores limados por não adotar a cartilha de sustentabilidade da Bunge. "Não é mais suficiente produzir bem e a um baixo custo. O importante é se a produção é sustentável no longo prazo", diz Adalgiso Telles, diretor de comunicação corporativa da Bunge.

Há algumas iniciativas pontuais em que empresas ligadas à cadeia da soja começam a se unir para criar um movimento que acabe com essa imagem. É o caso do projeto Lucas do Rio Verde Legal, patrocinado pela fabricante de alimentos Sadia e pela suíça Syngenta, uma das maiores produtoras de sementes do mundo. O programa pretende tornar o município mato-grossense de Lucas do Rio Verde -- que tem cerca de 600 propriedades rurais e concentra 1% de toda a soja produzida no país -- o primeiro livre de passivos ambientais e trabalhistas do Brasil.

Na fase inicial do projeto, organizado pela ONG americana The Nature Conservancy, foram mapeadas via satélite todas as fazendas da cidade e verificadas se suas reservas estão em conformidade com a legislação, que prevê uma área de vegetação nativa equivalente a uma faixa entre 20% e 80% do total da propriedade. A soma de hectares irregulares será reposta com a compra de uma área de mesmo tamanho, paga pelos produtores que plantaram onde não deviam. O próximo passo será regularizar questões trabalhistas e práticas de manejo de solo.

"Vamos preservar nossos agricultores", diz Egídio Muniz, gerente de segurança de produtos da Syngenta. Se o projeto der certo, deverá ser replicado em outras cidades do Agronegócio. Não há filantropia nem bom-mocismo por parte das empresas. "A sobrevivência do agricultor significa a sobrevivência da empresa", diz Muniz.

Apesar das iniciativas, uma característica inerente ao agronegócio pode colocar em risco o fortalecimento desse movimento. A produção agropecuária gera commodities, e poucas são as empresas rurais que fortalecem suas marcas -- o que impede o consumidor de saber, afinal, quem é quem no mercado. Essa é justamente a dificuldade que o setor exportador de carne vive no país. As fazendas de gado são as campeãs na chamada lista suja do Ministério do Trabalho, que denuncia a ocorrência de situação semelhante à escravidão.

Como esses casos criminosos têm se repetido, os competidores estrangeiros acabaram ganhando munição. A Inglaterra, por exemplo, grande concorrente do país na venda de carne bovina para a Europa, já divulgou estudos tentando provar que os baixos custos da carne brasileira são provenientes do uso de trabalho de escravos na cadeia produtiva.

"Os estrangeiros pegam o que há de pior e generalizam com o objetivo de criar barreiras não-tarifárias", diz o ex-ministro da Agricultura Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). "Eles sempre vão inventar problemas para impedir o acesso ao produto brasileiro lá fora."

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